A “Maioria Minorizada” precisa romper os mecanismos de dominação das elites
Rapper, escritor, pesquisador, docente e extensionista da Universidade Federal do Sul da Bahia, o professor Richard Santos esteve no Sindicato dos Bancários da Bahia, no último dia 19, para lançar os livros Maioria Minorizada - Um dispositivo analítico de racialidade (2020) e Branquitude e Televisão - A nova África (?) na TV pública (2ª edição, 2021). Além disto, fez exposição no seminário nacional A inserção do negro no mercado de trabalho – Entre o imaginário e a realidade, parte da programação do Novembro Negro. Com a expertise de quem passou por diversas áreas, como a música, a comunicação e a Academia, em entrevista ao O Bancário, Richard Santos fala sobre o racismo, a necessidade de romper os mecanismos de dominação da elite branca brasileira e a desconstrução dos oligopólios midiáticos para a efetivação da democracia.
Rapper, escritor, pesquisador, docente e extensionista da Universidade Federal do Sul da Bahia, o professor Richard Santos esteve no Sindicato dos Bancários da Bahia, no último dia 19, para lançar os livros Maioria Minorizada - Um dispositivo analítico de racialidade (2020) e Branquitude e Televisão - A nova África (?) na TV pública (2ª edição, 2021). Além disto, fez exposição no seminário nacional A inserção do negro no mercado de trabalho – Entre o imaginário e a realidade, parte da programação do Novembro Negro.
Com a expertise de quem passou por diversas áreas, como a música, a comunicação e a Academia, em entrevista ao O Bancário, Richard Santos fala sobre o racismo, a necessidade de romper os mecanismos de dominação da elite branca brasileira e a desconstrução dos oligopólios midiáticos para a efetivação da democracia.
Por Ana Beatriz Leal
O Bancário: A expressão Maioria Minorizada, que dá nome a um dos seus livros, imagino que venha da ideia de que, embora seja a maioria em termos quantitativos, a população negra forma uma minoria no que se refere ao acesso aos direitos e à cidadania. É isto?
Richard Santos: Exatamente. E eu vou formular esse conceito que pegou. Hoje as pessoas usam, a partir da minha experiência, não só na Academia, mas também trabalhando. Seja com cultura, eu venho do movimento Hip Hop, sou um dos pioneiros do Hip Hop no Brasil, e também na Televisão. Eu sempre vou observar, vou procurar identificar como se forma esse sintagma, que é um conjunto de signos atrelados à população negra. Como que se forma isso? Então é a partir da estratégia de subalternização ou resubalternização dos já historicamente subalternizados. E aí a gente precisa verbalizar. Precisa construir toda uma narrativa, a palavra da moda hoje, para efetivamente desconfigurar esse lugar que historicamente tem sido posto à população negra. Eu vou mais além, a população afroindígena, pelas elites econômica, financeira e intelectual no Brasil, em prol de se manterem no poder mesmo após a emancipação da escravatura. E uma das formas que se faz isso é através da construção de um imaginário dependente, subalternizador do outro. Por isso, que então vou escrever e vou construir esse conceito de Maioria Minorizada.
O Bancário: O senhor já trabalhou também na Televisão. Acredita que a mídia brasileira tem grande responsabilidade sobre os fatores que alimentam a estrutura racista da sociedade?
Richard: Sim, trabalhei por mais de 20 anos em televisão. Eu comecei colaborando com a antiga MTV, passei pela TV Cultura, Globo, onde inicio essa nova forma de enxergarmos as periferias, antes completamente atreladas à violência e à subjetivação do sujeito, e a partir do início dos anos 2000, com uma positivação das periferias. Eu sou convidado em 2001 para desenvolver um quadro no Fantástico chamado Nós na Fita, onde eu viajava pelas periferias brasileiras mostrando as culturas e o modo de ser na periferia, de forma positivada e não estereotipada. Depois eu vou para TV Record trabalhar com o Netinho de Paula, músico, sambista e apresentador, e a gente desenvolve um seriado chamado Turma do Gueto, também contando o dia a dia nas periferias e, posterior a isso, eu passo pela criação da EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Lá eu apresentava o programa Para Todos, que mostrava as pluralidades culturais do Brasil, e era também repórter especial do programa Caminhos da Reportagem. Eu levo essa minha expertise para a Academia. É a partir daí que começo a vislumbrar todos os mecanismos de dominação da elite branca brasileira. Levo essa experiência de ter viajado por todos os estados do Brasil para a universidade. A maioria dos acadêmicos é teórico, eles vão pesquisar a partir dos conceitos. Eu venho dessa que eu classifico como maioria minorizada, eu venho da zona Norte do Rio de Janeiro, trago essa vivência dos saberes descentrados para a Academia e as experiências de ter passado pela TV que eu afirmo, sim, que a mídia é parte do pacto da branquitude. Ela legitima através do imaginário que alcança e que estrutura esse pacto da branquitude e essa resubalternização dos já subalternizados. Eu costumo dizer que a comunicação é um estruturante social. A gente jamais deve debater democracia a partir somente da perspectiva da participação político-partidária. A gente precisa discutir democracia e relações de trabalho, mas também a partir da democratização dos meios de comunicação. Sem isso, não temos a efetivação de uma democracia.
O Bancário: Falando ainda sobre comunicação, embora os avanços sejam inegáveis em relação à presença no negro na TV, ainda há um espaço que precisa ser preenchido. A estrutura de dominação continua a mesma, não é?
Richard: Existem avanços inegáveis, sim, eu não discordo de você, mas isso não fez com que mudasse a estrutura organizacional das empresas de comunicação. Você tem aí hoje esteticamente uma televisão mais plural, mas organizacionalmente é a mesma, os donos são os mesmos. O poder é demandado por uma elite histórica que está aí desde sempre. Então essa elite, assim como o capital, apenas adapta o discurso para a demanda mais imediata da sociedade e aí a gente tem o que eu costumo chamar de avanço paralisante. Ora Richard, o que é o avanço paralisante? É você avançar esteticamente, dar uma percepção para a sociedade que a televisão e os padrões da TV mudaram porque tem pessoas pretas lá, mas quando você observa bem, coloca uma lupa crítica, analítica, essas transformações são como calorias vazias. A gente fala que a Coca-Cola enche a barriga com calorias vazias. São representações desprovidas de conteúdo transformador, ou seja, elas são independentes do patronato, não são representações que nos levam à insurgência. Nesse sentido é onde a gente chega ao avanço paralisante, porque você tem um avanço sim, mas quase que se estanca, para no mesmo lugar, porque efetivamente é uma representação vazia. Sem a desconstrução dos oligopólios midiáticos a gente não efetiva, não concretiza a transformação necessária das comunicações no Brasil.
O Bancário: Após “passear” por várias áreas (arte, cultura, comunicação e ingressou no espaço acadêmico). O senhor reconhece o racismo também na universidade?
Richard: Eu reconheço o racismo na universidade, sim, e sofro com ele. Eu sou uma das pessoas muito visadas por esse racismo, que a gente tem o hábito de chamar de velado, porque “entre aspas ” estamos no meio de pessoas cultas, falsamente progressistas, mas, na verdade, o espaço universitário, independentemente da minha universidade, hoje eu estou na Universidade Federal do Sul da Bahia, que é uma instituição que tem somente 10 anos de criação, mas com um fazer acadêmico, com uma luta de classes por poder que reproduz as mais antigas universidades do Brasil, o mais antigo ecossistema acadêmico: branco, alinhado com o sul, onde mesmo quando as pessoas negras aceitam o cargo de liderança, se não organizadas politicamente, com uma base formativa, que é o que temos na UFSB hoje, são pessoas negras que reproduzem os signos, os modos, o modo de fazer da branquitude, em que pese um discurso racializado, muitos das vezes crítico, mas com uma crítica vazia que não se consagra quando você olha para a realidade e o modus operandi dessa gestão, da estrutura da Academia. Mas, para mim, esse racismo organizado, estruturado para nos alijar ele é mais enfático para as pessoas que se formam criticamente fora do espaço universitário e que chegam lá com a sua musculatura intelectual, organizacional e política-crítica já estruturada. Só o fato de você existir nesses espaços, você está confrontando as realidades expostas nesses mesmos espaços. Quando você produz, legisla, é crítico e também tem um acúmulo de conhecimento intelectual que não deixa a desejar, que é o meu caso, você acaba refutando a verbalização mais ampla de uma possível incapacidade sua, porque você também é levado a síndrome do impostor, quando você não tem essa síndrome, as pessoas vão te confrontar abertamente, vão fazer um processo de desmerecimento das suas conquistas e propostas, mas não que você não seja digno daquilo, mas é porque você incomoda o poder estabelecido.
O Bancário: O senhor acredita que os seus livros são uma importante ferramenta para que os negros reflitam e tenham mais consciência racial?
Richard: Na verdade eu não pensei em livros que façam com que efetivamente as pessoas negras tenham mais consciência racial e, sim, que pessoas negras, ou não negras, se insurjam contra a dominação capitalista, contra a hegemonia, pensem em si como potências e que no coletivo elas possam atuar para ressignificar a sociedade em que vivemos. E aí, se também a partir disso, a gente elevar o nível de consciência de classe, raça e gênero, é um ganho. Mas, quando eu paro para escrever e produzir, eu acredito que eu posso colaborar com a vida crítica na sociedade brasileira. É fazer uma produção que leve os leitores a analisarem a sua situação, porque estão assim, de onde vieram e para onde pretendem ir. Aí você tem no âmbito das pessoas negras a consciência racial.