Cada um come o que gosta

Personagem central de um dos grupos musicais mais polêmicos e qualificados dos anos 70 e 80, Paulinho Boca de Cantor, estrela dos Novos Baianos, concedeu entrevista exclusiva ao jornal O Bancário. Falou sobre cultura, contracultura, música, política, o passado, o presente e o futuro do Brasil.

Personagem central de um dos grupos musicais mais polêmicos e qualificados dos anos 70 e 80, Paulinho Boca de Cantor, estrela dos Novos Baianos, concedeu entrevista exclusiva ao jornal O Bancário. Falou sobre cultura, contracultura, música, política, o passado, o presente e o futuro do Brasil. 

 

Por Camilly Oliveira

 

O Bancário - Para você que revolucionou os anos 70, o que se entende por cultura e contracultura?

 

Paulinho Boca de Cantor - O mundo deu um grande salto em todos os sentidos no final dos anos 60 e década de 70. Costumávamos dizer que fizemos o mundo andar 500 anos em cinco. Quebramos normas estabelecidas e achávamos que íamos conseguir mudar o sistema em pouco tempo. Mas o sistema é bruto. (Risos). Uma coisa é certa: o mundo nunca mais foi o mesmo. A ideia de que devíamos seguirá risca o que estava determinado foi pro espaço. Inventamos um novo jeito de viver. Saímos dos prédios para as praças e pulamos o muro. Esquecemos que tinha futuro e o agora venceu. Isso é o que entendo de cultura e de contracultura. Um jeito novo de ver o mundo. Liberdade total de pensamento e criatividade fértil. 


O Bancário - Em uma realidade marcada pelo ultraconservadorismo de terra plana, os Novos Baianos, do início da década de 70, sofreriam perseguição?

 

Paulinho - Claro que sofremos perseguição. Sofreríamos e ainda sofremos hoje também. Mas isso só fez e faz com que aqueles e outros momentos, gloriosamente sofredores, virassem as canções que permanecem vivas até hoje e para sempre. Nunca vamos nos acomodar, a inquietação, a busca, são parceiras incessantes, desde quando inventamos uma nova família.  Isso é o que vivenciamos e o que nos deixa vivos até hoje. Sempre Novos e Baianos.

 
O Bancário -  Como você define hoje a qualidade da produção musical, especialmente de massa, no Brasil?


Paulinho - Acho que a qualidade da produção musical, se é que existe produção musical, é a cara do Brasil atual. O negócio é sair dançando. (Risos). Mas tem muita gente antenada dando sequência a uma tradição de música de qualidade que sempre teve no Brasil e que sempre vai ter. Isso é o que importa. Porque sucesso tá fácil fazer, mas respeito que é bom e todo mundo gosta, tem que ralar muito pra conseguir. Passar pela história até rola, mas ficar na história são outros quinhentos. Mas tudo vale e no caldeirão cabe tudo dentro. Cada um come o que gosta. E como diz Gilberto Gil: “ O povo sabe o quer mas o povo gosta do que não sabe”. 


O Bancário - Os Novos Baianos frequentemente desafiavam normas sociais e políticas. Quais foram os maiores desafios que vocês enfrentaram?


Paulinho - Prisões, cortaram nossos cabelos, perseguições incessantes, não podíamos sair nas ruas e outras loucuras burras mais. Mas usamos tudo a nosso favor, com a certeza que viraria essa linda história. A música Dê um rolê (Moraes e Galvão) foi feita enquanto a polícia perseguia nosso carro e ficávamos dando volta na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. E outras mais que marcaram nossa trajetória que viraram clássicos da nossa música e que tiveram a contribuição dos momentos de chumbo da repressão.  


O Bancário -  Você acha que o espírito colaborativo e hippie dos Novos Baianos poderia ser replicado no cenário musical atual?


Paulinho - Sim. O fato do nosso grande público hoje ser a geração anos 2000, aquela época louca, tem aguçado a curiosidade e a criatividade de desses jovens que não viveram mas querem viver aquele coletivo. Sempre nos falam que gostariam de viver daquele jeito e estão conseguindo pelo visto. Temos notícias de vários coletivos de arte e isso nos mostram que é um caminho a ser percorrido por novas gerações. 


O Bancário - Qual você acredita ser o papel da música na revolução social e cultural hoje?


Paulinho - A música, a arte em geral foi e sempre vai ser um dos componentes mais importantes para as mudanças que o mundo sempre vai precisar. A inquietação dos artistas, a busca por essas mudanças e a coragem de encarar o novo é inerente. O mundo gira e a arte gira junto e muda o mundo. 


O Bancário - Você enxerga a relação entre música e política no Brasil atual?


Paulinho - Tudo é política, a música, a arte em geral e a política vão estar sempre ligadas. São várias as maneiras de se expressar isso. Por mais que a mídia mostre só o imediato, o que está na moda, que parece não ter nada a ver com política, a verdadeira arte sempre vai imergir, trazer mudanças contundentes para a sociedade. E isso é política. 

O Bancário -    Durante a pandemia, você disse em uma entrevista que o país está muito careta. Você acha que teve alguma mudança no pós-pandemia ou só piorou na caretice? 


Paulinho - O Brasil emburreceu no sentido de que sempre dependemos de uma educação melhor para nosso povo e sabemos o quanto estamos distantes de outros exemplos no mundo. E temos de lutar por isto. Veja essa geração que continua sendo respeitada na música, na arte em geral. Com certeza teve uma escola pública de melhor qualidade. Isto muda tudo. E vamos conseguir, com certeza. Tudo evolui mesmo que não queiram. É assim o mundo é assim e sempre vai ser. Pra tristeza dos que andam pra trás. (Risos).