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A intolerância do “povo de Deus”

No artigo, o cineasta, diretor teatral, poeta e escritor, Carlos Pronzato fala sobre a intolerância do "povo de Deus".

Há exatos 25 anos, em 21 de janeiro de 2000, faleceu a Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda de Ogum, nascida em 3 de outubro de 1935. Sua morte aconteceu após uma absurda série de ataques da Iurd (Igreja Universal do Reino de Deus), iniciadas em 1999. Seus problemas de saúde se agravaram em decorrência desses ataques de ódio e agressões verbais e físicas, sofrendo finalmente um infarto. Desde 2007 - inicialmente pelo Município de Salvador e em seguida pelo governo federal - celebra-se nesta data o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.


Moradora da comunidade de Nova Brasília, próximo à Lagoa de Abaeté, em Itapuã, fundou, em 1988, o Terreiro de Candomblé Ilê Axé Abassá de Ogum, hoje liderado pela sua filha, a Ialorixá Jaciara Ribeiro dos Santos.


As atividades religiosas de Mãe Gilda abraçaram também as de uma ativista social, lutando constantemente por melhorias das condições de vida do seu bairro e também foi atenta à complexa conjuntura política nacional, especificamente a da década de 1990.


As agressões se iniciaram em 1992, quando uma foto da Mãe Gilda foi publicada na revista Veja durante as manifestações nacionais da campanha do “Fora Collor”. Na publicação, a sacerdotisa aparecia trajada com as suas roupas de culto junto a uma oferenda como forma de solicitar aos orixás o atendimento às súplicas daquele momento. Em 1999, o jornal Folha Universal, da Iurd, publica uma matéria sob a manchete “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”, ao lado da mesma foto da Ialorixá aparecida na revista citada. Esta publicação, impressa em uma tiragem de 1.372.000 unidades, gratuitamente distribuídas, foi o início de um doloroso processo psicológico que, diante de um quadro de saúde fragilizado, culminou no seu falecimento no ano seguinte.


Imediatamente Mãe Jaciara moveu uma ação contra a Iurd por danos morais e a utilização indevida da imagem da Mãe Gilda, que faleceu no dia seguinte em que assinou a procuração constituindo seus advogados (KOINONIA em convênio com a AATR) para defender o caso. A partir disto o tema da intolerância religiosa passa a ser discutido amplamente.


Em 2004, a Iurd foi condenada em primeira instância. Esta recorreu e o processo ficou sem resposta até 2005, quando o povo dos terreiros promoveu importante mobilização frente ao Tribunal de Justiça da Bahia. Só em 2008 a condenação da Iurd foi confirmada, obrigada a publicar retratação na Folha Universal e pagar indenização.


Apesar disto os ataques contra o povo de santo continuaram: no caso tratado aqui, o busto que foi erigido em sua homenagem sofreu diversos atos de vandalismo praticados pela intolerância do autodenominado “povo de Deus”.


* Carlos Pronzato é cineasta, diretor teatral, poeta e escritor. Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).