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Anátema do (des)conhecimento

No artigo, o jornalista e mestre em História Social da Mídia Zeca Peixoto fala sobre o fato de na nova economia política da mídia os monopólios e oligopólios de comunicação exercem domínio planetário.

Bastaram pouco mais de 15 anos para que as ideias do Vale do Silício, carregadas de utopias digitais supostamente "libertárias", apresentassem suas verdadeiras credenciais. Na nova economia política da mídia os monopólios e oligopólios de comunicação, que outrora resguardavam particularidades em cada país a depender dos respectivos contextos políticos e econômicos, passam agora a exercer domínio planetário em baile ensaiado. Num mundo com cerca de oito bilhões de habitantes não se pode conceituar como "redes sociais" meia dúzia de poderosas empresas que se constituem em buracos negros capazes de tragar tudo ao redor das suas zonas de eventos, engolfando todo o planeta.

 


A Meta - Whatsapp, Facebook, Instagram e Threads -, YouTube (pertencente ao portal de buscas Google), TikTok, Linkedin, Kawai, Pinterest e a agora X, ex-Twitter, conformam a arquitetura prima desse ecossistema. Estas redes atuam no que compreendemos como ambiente de disputas com regras de performance. Ou seja, concorrem no mercado global mas se aceitam como hubs nos quais uma possa favorecer a outra. 

 


Tipo de concorrência bem diversa à do capitalismo analógico. Engenharia econômica capaz de fazer da disputa entre elas o combustível para que todas alcancem lucros trilhardários, pois têm matéria prima comum manipulável, os bilhões de usuários. 

 


Manter-se em interface facilita o tráfego de dados para que estas organizações identifiquem gostos e predileções dos perfis. Mais: atuam em efeito-catraca com players corporativos também monopolistas, a exemplo da Amazon, Apple, Microsoft e outros produtores e comercializadores de hardwares.    

 

Capitalismo de predição 
Conforme o filósofo da tecnologia sul coreano Byun Chul-Han assevera em Infocracia (Editora Vozes), este regime de informação exerce modelo de dominação mediante inteligência artificial que determina processos sociais, econômicos e políticos a nível global. Chul-Han alerta: " (…) não são corpos e energias que são explorados, mas informações e dados (...)". Vigilância e controle, a bem da verdade.

 

Tecnologia é um estado de arte. Mas o controle do capital o corrompe, transformando-o em estado de vigilância. Vale ressaltar: o papel das redes (anti)sociais foi determinante para o renascimento do fascismo mundial. A nosso ver, fascismo algorítmico. E o Brasil foi um dos países garroteado por esta macabra engenharia de mídia.

 


E há vasto pasto para ruminância em Pindorama. Os números de 2023 já eram explosivos. O Whatsapp tinha 169 milhões de usuários; o YouTube 142 milhões; Instagram, 113,5 milhões; Facebook, 109 milhões; TikTok, 82 milhões; Linkedin, 63 milhões; Kwai, 48 milhões; Pinterest, 46 milhões; e o X, 24 milhões.

 

Estar-se-á diante de um anátema à cognição coletiva. As timelines decepam possibilidades de aprofundamento às experiências da construção do conhecimento. Tudo é lido em recortes de sons, imagens e textos. As realidades são editáveis para precarizar cada vez mais a economia da atenção, combalida pela saturação e cansaço diante de milhares de ofertas diárias de conteúdos. 

 


Tem-se tudo e nada. E o pior: gestores de organizações públicas e privadas se lançam entusiasmados a apostar fichas na anti-pedagogia digitalizada como solução à própria edificação pedagógica. Para tal, utilizam a bela expressão "processos disruptivos", balela com verniz de alguma coisa séria que integra outras tantas balelas capazes de, ao fim e ao cabo, contribuir com a uberproletarização da vida e o anjo caído do (des)conhecimento. 

 


A utopia deu chabu no capitalismo que se reinventa para perpetrar a concentração da riqueza. Agora por intermédio das incríveis caixinhas de entretenimento e trabalho que fazem do usuário a própria matéria prima. 

 


Cegueira coletiva. Platão terá que sair da caverna. Mais uma vez.

 

*Zeca Peixoto é jornalista e mestre em História Social da Mídia