Home
>
Artigos

A luta democrática e combate ao imperialismo e sua política de guerra

No artigo, o jornalista, editor internacional do Brasil 247 e presidente da Cebrapaz José Reinaldo Carvalho, fala sobre a ameaça à humanidade e à democracia, resultante da política hegemônica dos Estados Unidos e da Otan.

O fenômeno mais ameaçador à humanidade, sua sobrevivência, relações sociais e a paz é a guerra imperialista, resultante da política hegemonista dos Estados Unidos e seus parceiros da Otan. Associado a este, observa-se o ascenso da extrema-direita e da direita, com muitas peculiaridades regionais e nacionais.

 

O ascenso da extrema direita não é um fenômeno isolado, mas um reflexo das profundas insatisfações e frustrações que se acumulam na sociedade. As causas desse movimento são complexas e multifacetadas, mas podem ser amplamente atribuídas às políticas neoliberais implementadas por governos sociais-democratas e pela direita tradicional. 


Há décadas as políticas neoliberais dominam a agenda econômica global, promovendo a desregulamentação, privatização, as políticas fiscais restritivas, o arrocho salarial e a extinção de políticas sociais. Essas políticas foram invariavelmente defendidas e aplicadas pelos governos republicanos e democratas nos Estados Unidos, de direita, extrema direita, liberais, conserrvadores e social-democratas na Europa e também em países do Sul Global dependentes do capital monopolista-financeiro internacional. Seus efeitos sobre as massas trabalhadoras e populares foram devastadores, acarretando a degradação do seu padrão de vida. 

 

Essas políticas levaram a um crescente sentimento de descontentamento da população. Trabalhadores com salários aviltados, condições de vida e trabalho deterioradas, jovens que enfrentam desemprego crônico, faixas imensas da população abandonadas pelo Estado tornaram-se terreno fértil para a retórica da extrema-direita. Líderes extremistas, aproveitando-se desse descontentamento, oferecem soluções simplistas e xenófobas, promovendo a divisão entre os trabalhadores e atacando os imigrantes, numa revelação clara da falsidade do seu nacionalismo. A ascensão da extrema-direita ocorre pari passu com a superação histórica e prática do liberalismo burguês, é intrinsecamente ligada à crise sistêmica do capitalismo e à guerra como saída. Desde os tempos leninistas, quando o gênio do socialismo científico e revolucionário dissecou a transformação do capitalismo em imperialismo, evidenciou-se que na política interna o imperialismo implica reacionarismo em toda a linha e na externa, guerra.


A política externa intervencionista, golpista, agressiva e belicista do imperialismo estadunidense e seus parceiros mais relevantes da Otan, independentemente de seus governos serem de direita, extrema-direita ou liberais, agrava as mazelas sociais e a perversão da democracia. Anula a serventia da democracia liberal. 

 

A busca incessante dos Estados Unidos por manter sua hegemonia global e preparar a guerra contra seus indigitados inimigos, principalmente a China e a Rússia, e também os países do Sul Global que lutam por sua independência e rechaçam a dominação e a hegemonia é o principal vetor da vida política internacional. Essa busca pela hegemonia faz com que os democratas retoricamente mais liberais defendam em nome dessa própria democracia, as piores expressões de ditadura e neofascismo, como o governo sionista e genocida de Israel e o neonazista ucraniano. 

 

A história recente está repleta de exemplos de intervenções militares e conflitos patrocinados ou diretamente conduzidos pelos EUA. Do Oriente Médio à América Latina, essas ações frequentemente resultam em destruição e caos, alimentando ainda mais o ciclo de violência e instauração de regimes antidemocráticos. A escalada de tensões provocada pelos EUA contra a Rússia, a China, o Irã, a Síria, a Venezuela, Cuba com todo tipo de ameaças, inclusive o uso de modernas armas de destruição em massa, além de gerar o risco iminente de uma guerra global catastrófica, menoscaba os direitos civis e destrói a democracia.

 

“O presidente Joe Biden fez neste 6 de junho um apelo apaixonado pela defesa da liberdade e da democracia nas celebrações do 80º aniversário do desembarque das próprias tropas americanas e de exércitos europeus ocidentais na Normandia”, tido pela historiografia ocidental como o Dia D da Segunda Guerra Mundial. Assim relataram as agência noticiosas sobre os eventos comemorativos no território francês, ao lado de notórios “democratas”, como Emmanuel Macron, o primeiro-ministro do Reino Unido Rishi Sunak, sua majestade britânica o rei Charles III, Volodimir Zelensky e uma caterva de outros “liberais”. Na ocasião, o chefe de fila do imperialismo estadunidense disse que é "simplesmente impensável" se render à “agressão russa” e prometeu não deixar de apoiar a Ucrânia. Um liberalismo original: democracia mais guerra imperialista.


O chefe da Casa Branca instou seus pares “democratas” do mundo, aliados ocidentais e parceiros da Otan, que recuperem o “espírito do Dia D” e trabalhem juntos em um momento em que, segundo disse, a “!democracia” está sob maior ameaça do que em qualquer outro momento desde o final da Segunda Guerra Mundial.

 

Diante desse cenário, surge a questão da viabilidade e serventia para a luta dos povos oprimidos de uma “frente democrática internacional” que inclua forças como o Partido Democrata dos EUA, os da direita europeia, tidos pelos formuladores da proposta como liberais e aliados das forças populares e de esquerda, ou seja, facções políticas dominantes de potências imperialistas afanosamente ocupadas em preparativos e ações de guerra. A ideia de que tais alianças poderiam servir como baluartes contra a ascensão da extrema-direita e o perigo de guerra é, na verdade, uma vã ilusão.

 

Não basta analisar a ascensão da extrema direita com os mesmos critérios de períodos anteriores. O conhecimento histórico sobre o nazifascismo e outras expressões da extrema direita contém lições mas, como o passado não volta, é insuficiente para explicar os fenômenos atuais. O mesmo vale para a formulação de orientações táticas e estratégicas, de plataformas e programas de luta, métodos de ação e organização. Repetir simplesmente a fórmula da “frente ampla” para defender a democracia liberal e projetá-la internacionalmente é erro crasso, ilusionismo, bizarrice ou mesmo a manifestação de interesses políticos estreitos ligados à sobrevivência política a curto prazo de lideranças, grupos, correntes,  partidos social-democratas e excêntricas tendências que se reivindicam como “ressignificadoras”, “renovadoras” e “refundadoras” do socialismo, distantes anos luz do caráter revolucionário da luta dos trabalhadores e da essência científica da teoria da qual emana o programa pelo objetivo socialista. 


A coalizão de forças durante a Segunda Guerra Mundial foi possível num cenário em que o papel preponderante era desempenhado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sob rigorosa orientação e direção marxista-leninista. Havia ainda um incontornável componente de salvação nacional. A ocupação nazista conferiu ao combate soviético um caráter de Guerra Patriótica. E foi assim que o conflito entrou na história da URSS. 

 

Na China, também a aliança entre os comunistas e os nacionalistas do Kuomintang foi construída nas condições especiais da ocupação japonesa e sob a direção de um Partido Comunista e um Exército Popular de Libertação em plena guerra popular prolongada.

 

Os interesses imperialistas dos EUA não mudam fundamentalmente com a alternância de partidos no poder. Tanto democratas quanto republicanos, direitistas conservadores ou liberais têm historicamente seguido políticas externas que priorizam a manutenção da hegemonia do imperialismo estadunidense e seus aliados. 

 

Nos seus próprios termos, foi Joe Biden o primeiro a formular a ideia de uma ampla aliança internacional de forças estatais, governamentais e não governamentais na luta contra o “autoritarismo”.

 

Em 2021, no início do seu mandato, ele convocou a “cúpula da democracia” para forjar uma aliança entre governo, lideranças e organizações de todo o mundo. Sua pretensão maior foi trazer os Estados Unidos de volta à liderança dos “países democráticos”, para enfrentar os “autocráticos”, como a China e a Rússia, entre outros. 

 

Da primeira cúpula resultou um vultoso financiamento a organizações não governamentais, movimentos sociais, políticos de centro e centro-”esquerda”, veículos de comunicação, blogs, blogueiros, youtubers, influenciadores, apresentadores de TV, pesquisas acadêmicas para tentar fincar no movediço terreno dos países capitalistas em crise a esfarrapada bandeira da democracia liberal.  Todo o esforço foi canalizado para suscitar a preocupação e provocar ações relativamente ao declínio da democracia, e à luta contra os regimes “autocráticos”. É a versão política do malsinado “choque de civilizações”, temporariamente esquecido, pelo menos naqueles termos. 

 

Em épocas de crise e confrontações bélicas a luta pela democracia, pelos direitos civis, direitos humanos, liberdade política não pode dissociar-se da luta por um novo regime - de democracia popular, democracia socialista, hegemonia das massas trabalhadoras, soerguimento de um novo tipo de Estado, novas instituições, novos métodos de governação e representação política -. Outrossim, lutar por democracia hoje é combater o imperialismo, compreender que a luta por uma nova democracia e a luta anti-imperialista são aspectos indissociáveis na estratégia e tática das forças autenticamente socialistas e comunistas. 

 

A ameaça da deriva antidemocrática proveniente da extrema-direita e o perigo de guerra originado do imperialismo são fenômenos interligados que exigem uma resposta global e coordenada, mas que deve ser fundamentada em princípios genuinamente democráticos e anti-imperialistas. É imperativo que os movimentos sociais e as forças progressistas reconheçam as raízes profundas desses problemas nas políticas neoliberais e nas políticas globais imperialistas. Somente assim será possível construir uma resistência eficaz que promova a paz, a justiça social e a verdadeira democracia.

 

Para enfrentar esses desafios, é fundamental fortalecer a solidariedade internacionalista entre os povos e enfrentar as potências imperialistas e suas políticas de guerra. A luta por um mundo livre da opressão e exploração e das políticas antidemocráticas, antipopulares, antinacionais e belicistas do imperialismo e da burguesia monopolista-financeira e suas expressões políticas desafia as forças da esquerda consequente a elaborar estratégias e táticas consoantes os objetivos de emancipação nacional e social dos trabalhadores e povos de todo o mundo.   

 

*José Reinaldo Carvalho é jornalista, editor internacional do Brasil 247 e presidente da Cebrapaz