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A data histórica do 18 de fevereiro

No artigo, o presidente do Cebrapaz e colunista do Brasil 247 José Reinaldo Carvalho aborda a data histórica do 18 de fevereiro.

Na centenária história do Partido Comunista do Brasil, o 18 de fevereiro de 1962 é o marco de uma trajetória revolucionária, pertencente à própria natureza e essência do Partido. O 18 de fevereiro de 1962 assinala a retomada da ideia e do compromisso originais que inspiram e determinam a existência de um Partido Comunista: lutar contra a opressão e a exploração capitalista-imperialista e dar um salto civilizatório em que prevaleça a emancipação dos trabalhadores. 

 

A evolução do PCdoB não teria sido possível sem a ruptura revolucionária com os revisionistas e oportunistas de direita em 1962. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), reorganizado na Conferência Nacional Extraordinária de 18 de fevereiro de 1962, é o continuador do Partido Comunista fundado em 25 de março de 1922. 

 

A reorganização do PCdoB, rigorosamente sua refundação, ocorreu devido a uma ruptura no seio da tradicional organização comunista no quadro de divergências políticas e ideológicas no âmbito do movimento comunista internacional, a partir das decisões do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética e, internamente, pelos desvios representados por uma estratégia e tática oportunista de direita adotadas pela direção do antigo partido.

 

Malgrado o passar dos anos, em um contexto histórico diverso como o atual, a identidade comunista do Partido volta a ser motivo de contestação por indivíduos, correntes e forças contrárias à existência de uma organização política cuja meta é a construção do socialismo. 

 

Fundado em 1922 e reorganizado em 1962, depois de uma dura luta interna, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) posiciona-se como um partido comprometido com a defesa dos princípios do socialismo científico, do marxismo-leninismo, do internacionalismo proletário e da luta contra o imperialismo.

 

Como força política destacada e influente na vida nacional, protagoniza as lutas pelos direitos do povo, a democracia autêntica, o desenvolvimento e a soberania do país. 

 

É uma força política indispensável e insubstituível para alcançar não só vitórias imediatas, mas principalmente realizar as aspirações mais profundas do povo brasileiro. 

 

Por isso, a tarefa precípua dos militantes e dirigentes comunistas ao celebrar a efeméride é a defesa do Partido, que se identifica com a persistência no caminho a trilhar e na missão histórica a cumprir.  

 

Nesse sentido, o primeiro desafio é enfrentar, neutralizar e dissipar o surto liquidacionista que há cinco anos se manifesta em nossas fileiras e cuja principal expressão são as propostas de extinção do Partido, mudança de nome e sua dissolução no interior de um dos partidos de centro-esquerda. Arranjaram-lhe até um nome diferente, nada original: “Socialistas”. Expressam esta tendência também as deserções de figuras que, por constatarem que a natureza do Partido é incompatível com a realização de suas ambições carreiristas ou devaneios, acionam o surrado arsenal de argumentos anticomunistas e anti-históricos alegando uns que o Partido Comunista se tornou irrelevante, outros que não é capaz de realizar as tarefas a que se propõe e outros mais que sua existência já não tem razão de ser na presente época. 

 

A defesa do Partido começa precisamente com a refutação de teses como estas. Na época atual, de grandes turbulências, lancinantes contradições, inauditas transformações e agudos conflitos nacionais e sociais, o Partido Comunista é mais necessário do que nunca antes. É dever da direção partidária assumir a dianteira deste combate, porquanto a tolerância com o liquidacionismo ideológico e orgânico acarretaria prejuízos incalculáveis ao esforço para revigorar e consolidar o Partido. Não é pelo fato de determinada personalidade que desertou do Partido em função de seus interesses carreiristas ter taticamente, em temas muito pontuais, convergência com posições conjunturais do Partido, podendo assim figurar na categoria de “aliado”, que não devemos criticar e condenar severamente o golpe que tentou assestar no Partido. A boa educação política não deve ser confundida com melindre, prurido, covardia ou compadrio. O Partido não é um clube de amigos, mas um instrumento da luta do povo. Além da defesa do Partido ser o dever maior da direção, temos uma militância dedicada a ser cultivada, educada e valorizada. A permanência histórica do PCdoB na luta revolucionária e seu vigor político e ideológico não se devem a celebridades frívolas nem a titulares de poderes efêmeros, mas a militantes, quadros e dirigentes abnegados e constantes, da estirpe dos que o salvaram da liquidação em 1962. 

 

Sem fugir ao contexto histórico, nunca é demais revisitar Lênin sobre este tema: “A luta contra o liquidacionismo é uma luta pela existência do partido.” (Lenin, “A plataforma organizativa dos bolcheviques”, 1912); “A tolerância com o liquidacionismo é uma tolerância com a traição.” (Lenin, “A luta contra o liquidacionismo”, 1911). “O Partido não pode existir sem defender sua própria existência, sem lutar sem reservas contra todos aqueles que o querem liquidar, destruir, que não o reconhecem e a ele renunciam.” (Lênin, “A Luta contra o revisionismo e o oportunismo”, Edições em Línguas Estrangeiras, Pequim, 1965, edição em inglês); “A condição para a real unidade do Partido é a completa ruptura com o liquidacionismo.” (Lênin, idem).

 

Abro um parêntese para assinalar uma curiosidade. Hoje, qualquer ideia, gesto, manifestação ou ação progressista, mesmo as mais comuns, são classificadas de comunistas pelos direitistas, numa demonstração de que o comunismo continua sendo para estes um assustador espectro. 

 

O 18 de fevereiro, o Marxismo-Leninismo e a linha revolucionária 

A partir da reorganização, o PCdoB proclamou-se como partido marxista-leninista, internacionalista e adotou uma linha política revolucionária de luta pelo socialismo, naquela conjuntura considerando a necessidade de percorrer as duas etapas da revolução, primeiramente a nacional-democrática e posteriormente a socialista propriamente dita. Nas condições peculiares daquele momento histórico, isto se expressava na formulação de uma estratégia e tática em que se combinavam a luta nas cidades e no campo, a luta legal e a ilegal, a luta política de massas e a luta armada. 

 

A reorganização do PCdoB em 1962 foi essencialmente um episódio decisivo da luta contra o oportunismo de direita, consubstanciado no documento conhecido como Declaração de Março de 1958. 

 

Foi também um episódio destacado na luta contra o liquidacionismo ideológico e orgânico. Ao se reorganizar, o Partido anuncia um Manifesto-Programa que retoma, em outro nível, as posições revolucionárias do passado. Aponta as causas do atraso do país: o domínio imperialista, o monopólio da terra e os grupos monopolistas da grande burguesia. Caracteriza o imperialismo norte-americano como o principal inimigo do povo brasileiro, defende a criação de uma ampla frente democrática e anti-imperialista sob a direção do proletariado, indica as tarefas a serem realizadas na primeira etapa da revolução. Afirma ser indispensável a revolução política e social para livrar a nação do regime retrógrado, mediante a instauração de um governo popular revolucionário. O Manifesto-Programa do Partido constituiu uma vitória do marxismo-leninismo no Brasil. Foi um poderoso instrumento para a ação revolucionária. 

 

Nos últimos anos, o pensamento socialista no Brasil e a linha do Partido afirmam-se em um cenário mundial e nacional que passa por transformações não vistas e vividas em muitas décadas. As forças políticas que lutam pelo socialismo, designadamente os comunistas, empenham-se em encontrar as melhores formulações estratégicas, táticas e metodológicas para prosseguir na luta pelo socialismo. Esse empenho reflete-se nas mudanças programáticas, nas flexões táticas e em novos enfoques organizativos. O Programa Socialista, aprovado na 8ª Conferência Nacional, realizada em 1995, posteriormente no 9º Congresso de 1997, e o Programa Socialista (Novo Plano Nacional de Desenvolvimento), adotado pelo 12º Congresso em 2009, representam marcos importantes na trajetória da luta pelo socialismo no país. 

 

O Programa Socialista é fruto maduro do 18 de fevereiro 

Os anos 1990 foram marcados por profundas transformações políticas e econômicas no Brasil e no mundo. A dissolução da União Soviética e do sistema socialista no Leste Europeu, representou um duro golpe para as forças revolucionárias, levando muitos a questionarem a viabilidade do socialismo como alternativa ao capitalismo. No Brasil, a década de 1990 foi marcada pela implementação de políticas neoliberais, que resultaram no comprometimento da soberania nacional e no ataque aos direitos dos trabalhadores. 

 

A 8ª Conferência Nacional, em 1995, e o 9º Congresso do Partido, em 1997, ocorreram naquele contexto de ascensão neoliberal, de impasses na luta pelo socialismo e busca de alternativas à crise que abalou o campo socialista. Diante desse cenário, o Partido decidiu elaborar um novo programa que intitulou Programa Socialista, para oferecer respostas aos desafios impostos pelo novo contexto nacional e internacional. 

 

O Programa Socialista diagnostica as limitações, lacunas, deficiências e erros do socialismo do século XX. 

 

Uma das principais características desse Programa é a crítica contundente ao sistema capitalista, ao imperialismo e ao neoliberalismo. O documento denuncia a ofensiva contra os trabalhadores e a soberania nacional.

 

Nesse sentido, o Programa defende a necessidade de um Estado capaz de intervir na economia e garantir direitos sociais. O Partido propõe a ruptura com as classes dominantes, às quais faz uma demolidora condenação, e a substituição do regime político por uma República de Trabalhadores, como expressão do poder popular, sob a inspiração do conceito clássico do marxismo-leninismo de que a questão essencial da luta revolucionária é a conquista do poder político. 

 

Eis como o Programa Socialista caracteriza as classes dominantes reacionárias brasileiras: “O desenvolvimento deformado da economia nacional, o atraso e a subordinação aos monopolistas estrangeiros e, em consequência, a crise econômica, política e social cada vez mais profunda é o resultado inevitável da direção e do comando do país pelas classes conservadoras. Constituídas pelos grandes proprietários de terra, pelos grupos monopolistas da burguesia, pelos banqueiros e especuladores financeiros, pelos que dominam os meios de comunicação de massa, todos eles, em conjunto, são os responsáveis diretos pela grave situação que vive o país. Gradativamente, separam-se da nação e juntam-se aos opressores e espoliadores estrangeiros. As instituições que os representam tornaram-se obsoletas e inservíveis à condução normal da vida política. Elitizam sempre mais o poder, restringindo a atividade democrática das correntes progressistas. A modernização que apregoam não exclui, mas pressupõe, a manutenção do sistema dependente sobre o qual foi construído todo o arcabouço do seu domínio”. 

 

“Tais classes não podem mudar o quadro da situação de capitalismo dependente e deformado. Sob a direção da burguesia e de seus parceiros, o Brasil não tem possibilidade de construir sua economia própria, de alcançar o progresso político, social e cultural característicos de um país verdadeiramente independente.”

 

E como apresenta a alternativa: “A questão essencial para atingir esse objetivo (o socialismo – nota do autor) é a conquista do poder político pelo proletariado e seus aliados – o campesinato, as massas populares urbanas, as camadas médias e a intelectualidade progressista, sob liderança firme e consequente. Sem o poder político nas mãos das forças sociais com interesses distintos dos agrupamentos que sustentam a ordem capitalista vigente, torna-se impossível proceder às mudanças que se fazem necessárias.”

 

O Programa Socialista do PCdoB de 1995 sintetiza no capítulo “O Caminho”, as orientações estratégicas e táticas fundamentais da Revolução Brasileira. Permanece atual. Nos dois parágrafos seguintes encontra-se uma síntese perfeita da natureza da luta dos comunistas e do povo brasileiro. 

 

“O Programa socialista do Partido Comunista do Brasil é uma grande bandeira de combate em prol da transformação radical da sociedade brasileira em crise permanente, a proposta correta para eliminar a dependência do país aos monopolistas estrangeiros e acabar com o domínio das forças reacionárias sobre a nação, o meio eficaz de liquidar as injustiças sociais, terminar com a fome e a miséria que crescem aceleradamente no polo oposto ao do enriquecimento fácil de uma minoria de privilegiados e corruptos.

 

“Mas a conquista do socialismo é um caminho de árdua disputa com as classes retrógradas que dominam o país. São forças poderosas que não cederão facilmente as posições que detêm. A máquina do Estado está em suas mãos. Utilizarão o engodo e as promessas jamais cumpridas, o monopólio da mídia, recorrerão ao arbítrio, apelarão para o fascismo, não vacilarão em juntar-se aos intervencionistas estrangeiros a fim de tentar conter e esmagar o movimento progressista. Todos os que almejam uma pátria livre e soberana, que desejam avanços contínuos nos terrenos político, econômico, social e cultural terão de enfrentar decidida e persistentemente as forças inimigas.”

 

Quanto ao caminho, a definição tática e estratégica, o Programa ressalta como são multifacetadas as tarefas dos comunistas: “O caminho para o socialismo passa pela realização de inúmeras batalhas em diferentes níveis com a ampla participação do povo. Não pode ficar restrito à esfera da propaganda revolucionária. É indispensável atuar no curso dos acontecimentos políticos cotidianos. Defendendo as ideias socialistas, para esclarecer e educar os trabalhadores e as massas populares, os comunistas estarão presentes nos pequenos e nos grandes combates que envolvam o povo, sejam por motivos políticos, sejam por reivindicações econômicas e sociais.”

 

“Importância particular na mobilização das massas, buscando isolar ou neutralizar os inimigos, tem a fixação de objetivos concretos de nível mais elevado. Nesse sentido, adquire significado primordial a defesa da soberania e da independência nacional; a exigência de democratização ampla e profunda da vida do país; os reclamos da questão social em constante agravamento. São objetivos relacionados com a questão do poder, visando tirar o Brasil do atraso e da pobreza, garantir a liberdade para o povo, afirmar a identidade nacional. Essa luta apresenta não apenas aspecto tático. Perdurará por largo período e somente terminará com a vitória definitiva das forças progressistas. As classes dominantes não têm alternativa. Insistirão até o fim na política entreguista, antinacional, persistirão na via antidemocrática e antissocial.”

“Significado importante tem igualmente a atuação no campo eleitoral e parlamentar. Se bem que o Parlamento, tal como existe presentemente, seja uma instituição burguesa elitista e conservadora, constitui, entretanto, uma tribuna de luta política que permite, em certa medida, às correntes democráticas e progressistas denunciar as mazelas do regime, reclamar direitos para o povo, defender a soberania nacional e a ampliação da democracia.”

 

“As formas de luta, variadas e de múltiplos aspectos, devem corresponder à situação de cada momento e ao nível de aceitação e compreensão das grandes massas. Seria errôneo artificializar métodos de luta restritivos que entorpecem o movimento de massas e isolam a vanguarda.”

 

“Todo o procedimento político e organizativo, relacionado com o caminho para o socialismo, objetiva acumular forças, ganhar prestígio e influência no seio do povo. A conquista do socialismo é obra das amplas massas, dos trabalhadores em geral, sob a liderança do Partido Comunista. Exige, na atualidade, a criação de uma sólida frente nacional, democrática e popular, reunindo partidos, personalidades políticas democráticas, organizações de massas, defensores da soberania nacional, agrupamento decidido a derrocar as classes reacionárias e a realizar as transformações de que o Brasil necessita.”

 

E aqui temos uma definição da tarefa acima de todas as tarefas, a construção do Partido: “Tarefa de primeiro plano para alcançar o socialismo é a construção de um forte Partido Comunista, ligado às massas, em particular à classe operária. A fim de cumprir sua missão histórica, o PCdoB precisa multiplicar sua força militante, ampliar sua influência política em todos os setores de atividade, aprofundar os conhecimentos teóricos, aprender da experiência positiva e negativa do socialismo na ex-URSS e em outros países. O Partido deve colocar-se à altura do Programa Socialista que apresenta aos trabalhadores e ao povo.

 

A entrada do século XXI trouxe novos desafios para a luta pelo socialismo no Brasil. A vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2002, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, com o ativo apoio dos comunistas, marcou uma mudança significativa no cenário político brasileiro. Embora o governo Lula tenha implementado políticas sociais importantes, a estratégia de conciliação de classes adotada pelo PT gerou frustrações entre setores da esquerda que esperavam um avanço mais decidido rumo ao socialismo.

 

Nesse contexto, o 12º Congresso do partido, realizado em 2009, foi um momento crucial para a redefinição da estratégia socialista no Brasil. O Programa Socialista (Novo Plano Nacional de Desenvolvimento), aprovado naquele congresso, reflete uma tentativa de adaptar o pensamento socialista aos novos tempos. 

 

O Programa aprovado no 12º Congresso de 2009 buscava traçar um caminho para a luta do povo brasileiro, que se concentra na resistência à ofensiva neoliberal por meio de um projeto propositivo de desenvolvimento nacional. 

 

Um dos eixos centrais do Programa de 2009 é a defesa do desenvolvimento nacional soberano. O documento critica a dependência econômica do Brasil em relação às potências imperialistas e propõe a construção de um projeto de desenvolvimento autônomo, baseado na valorização dos recursos naturais e na industrialização.

 

A soberania nacional é vista como um requisito indispensável para a construção do socialismo. O programa propõe uma política externa independente, alinhada com os interesses dos povos do Sul Global e baseada no multilateralismo. Nesse sentido, o Brasil é visto como um ator estratégico na luta contra a hegemonia imperialista e na construção de um mundo multipolar.

 

Outro ponto central do Programa de 2009 é a reforma agrária. O documento defende a redistribuição das terras e a promoção da agricultura familiar como forma de combater a concentração fundiária e garantir a soberania alimentar. A reforma agrária é vista como parte de um projeto mais amplo de democratização da terra e de construção de uma economia socialista.

 

Além disso, o programa aborda a questão urbana, propondo políticas de habitação, transporte e saneamento que visam melhorar a qualidade de vida nas cidades e reduzir as desigualdades sociais. A urbanização é vista como um desafio central para a construção do socialismo no Brasil, exigindo a participação ativa das comunidades na gestão urbana. 

 

O programa de 2009 também enfatiza a importância da educação, da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento nacional. O documento propõe um sistema educacional público e gratuito, voltado para a formação crítica e cidadã. Além disso, defende a promoção da pesquisa científica e tecnológica como forma de garantir a autonomia do país em relação às potências estrangeiras.

 

A ciência e a tecnologia são vistas como ferramentas essenciais para a construção do socialismo, permitindo o desenvolvimento de forças produtivas e a superação das desigualdades sociais. Nesse sentido, o programa propõe a criação de uma política nacional de ciência e tecnologia, articulada com as necessidades do desenvolvimento nacional.

 

A luta pelo socialismo continua enfrentando desafios significativos. O golpe de 2016, que resultou na destituição de Dilma Rousseff, e a ascensão da extrema direita pró-imperialista em 2018, representaram retrocessos importantes para a esquerda brasileira. Agora, as condições políticas voltam a mudar com a vigência de mais um governo sob a liderança do Presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT). A atual conjuntura exige uma reflexão profunda sobre as estratégias adotadas até agora e a necessidade de novas abordagens. 

 

O futuro do socialismo no Brasil dependerá da capacidade do Partido Comunista do Brasil, demais partidos de esquerda e dos movimentos sociais de construir uma ampla frente de resistência e de propor um projeto alternativo ao neoliberalismo. 

 

A construção do socialismo no Brasil exige não apenas a superação do capitalismo, mas também a construção de uma nova cultura política, baseada na solidariedade, na democracia e na participação popular.

 

Um dos desafios da nova elaboração programática é superar o reducionismo desenvolvimentista e o taticismo. O fio condutor da elaboração programática não é o desenvolvimento do capitalismo no Brasil com base em postulados da ideologia nacional-desenvolvimentista, do arsenal teórico da burguesia nacional, mas a luta estratégica pelo socialismo, que implica combate renhido e inconciliável às classes dominantes e ao imperialismo, defesa dos direitos do povo, ampliação e aprofundamento da democracia e o desenvolvimento nacional integral. Não se deve alimentar a ilusão de que o advento do socialismo será fruto da evolução pacífica de governos de coalizão com o centro-esquerda e que a tática dos comunistas tenha como vetor principal a adesão acrítica a esses governos. Para dar um salto político e teórico na formulação programática, faz falta o entrelaçamento da tática com a estratégia, clarificar a luta sem quartel contra as classes dominantes e o imperialismo, definir com nitidez a luta pelo socialismo, não somente como enunciado nem como efígie, pôr acento na luta de classes e popular e evidenciar a intrínseca ligação entre luta social, luta democrática e luta pelo desenvolvimento nacional, convergindo todas para a luta pelo poder político dos trabalhadores e a conquista do socialismo.  

 

Em termos emergenciais, enquanto não se elabora um novo Programa Socialista, é indispensável a formulação de um programa de ação, captando os sentimentos e aspirações imediatas das massas populares e contemplando o sentido do momento histórico para adotar uma tática política consentânea com a realidade concreta e iluminar a intervenção política do Partido. 

 

A direção 

O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) desempenha um papel central na luta pelo socialismo e na promoção dos princípios marxistas-leninistas no contexto brasileiro. Ressalto em primeiro lugar as contribuições do ex-presidente do PCdoB, João Amazonas (1912-2002), que foi a figura chave na construção e adaptação do marxismo-leninismo à realidade brasileira.

 

João Amazonas foi uma figura central na formulação e defesa do marxismo-leninismo no Brasil, um defensor ferrenho dos princípios leninistas, convicto da necessidade de um partido revolucionário de classe, disciplinado, baseado no centralismo democrático, internacionalista, com espírito de luta, para liderar as massas trabalhadoras e populares na luta pelo socialismo.

 

João Amazonas percebeu, no auge da crise do socialismo no início dos anos 1990, da globalização capitalista neoliberal, que o capitalismo no Brasil tinha objetivamente amadurecido e que a Revolução Brasileira não seria realizada em duas etapas estanques. Teve a audácia de proclamar da tribuna do 8º Congresso, em pleno 1992, que se impunha lutar pelo socialismo desde já. Isto não significava a ilusão de conquistar abruptamente o socialismo, mas a afirmação nítida de um objetivo estratégico, que informa e condiciona a tática. Por isso é um contrassenso a proposição de que o Brasil precisa de mais e não menos capitalismo, como é também ilusório propugnar o desenvolvimento nacional desvinculado da perspectiva do poder político e do socialismo.  

Ao mesmo tempo que propôs esta viragem estratégica, João Amazonas apontou a necessidade de promover a acumulação revolucionária de forças, ainda que as circunstâncias a tornassem prolongada. E para isso argumentou sobre a necessidade do fortalecimento do Partido, da luta de massas e da luta política com uma tática ampla, combativa e flexível. Ele foi um firme defensor da ampla unidade do povo brasileiro e da formação de uma frente única democrática, popular e anti-imperialista. Manteve a convicção de que, ao conquistar avanços democráticos e sociais, os trabalhadores e o povo brasileiro poderiam acumular forças para a conquista do poder político.

Outro aspecto central do pensamento de Amazonas foi a defesa do internacionalismo proletário. Ele via a luta dos comunistas brasileiros como parte de uma luta global contra o imperialismo e o capitalismo. Para Amazonas, a solidariedade com os movimentos revolucionários em outros países era essencial para o avanço da luta pelo socialismo no Brasil.

 

Na trajetória recente do PCdoB, é necessário destacar também o papel de Renato Rabelo, que  assumiu a presidência do PCdoB em 2001, substituindo João Amazonas. Naquele momento desafiador, por orientação de Amazonas, o novo líder contou com um coletivo de quatro vice-presidentes: Haroldo Lima, Aldo Rebelo, Jô Morais e José Reinaldo Carvalho. Sob a liderança de Renato Rabelo, o Partido se empenhou pelo fortalecimento da frente democrática, o crescimento do Partido e no aperfeiçoamento da tática, mediante a atualização do Programa, levando em conta as mudanças no cenário internacional e a nova realidade política, econômica e social do Brasil. 

 

Renato Rabelo defendeu a “nova luta pelo socialismo”, uma formulação que busca adaptar o marxismo-leninismo às condições do século XXI. Segundo ele, a “nova luta pelo socialismo” deve levar em conta a necessidade de construir alianças amplas, incluindo setores da burguesia nacional, para enfrentar o imperialismo e o neoliberalismo. Ele defendeu uma estratégia de acumulação de forças dentro do marco democrático, utilizando inclusive a participação em governos democráticos para promover reformas que pavimentam o caminho para a transição ao socialismo.

 

Um ponto central nas opiniões de Rabelo é a ênfase no desenvolvimento nacional e na defesa da soberania e da democracia. Para Rabelo, a construção de um projeto nacional de desenvolvimento é fundamental para criar as condições materiais para o socialismo. 

 

A atual presidenta, Luciana Santos, assumiu a liderança do Partido muito recentemente, há apenas uma década (2015), em uma nova etapa do seu desenvolvimento histórico e numa situação política inteiramente nova: golpe político contra a presidenta Dilma, instauração do governo golpista de Temer e surgimento após as eleições de 2018, do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, inteiramente subordinado ao imperialismo. Em plena avalanche ultradireitista no Brasil e no mundo, a presidenta do Partido concentra seus esforços na luta democrática, na expansão, via abertura, das fileiras do Partido, em contornar as restrições antidemocráticas da legislação eleitoral e na maior inserção do Partido na vida institucional, após a eleição do presidente Lula para o atual mandato. Expressão disso é sua atuação à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A situação é desafiadora, mormente quando se constata ser indispensável combinar o empenho para credenciar o Partido como propulsor e gestor de políticas públicas, melhorar o desempenho eleitoral, que tem sido declinante, com o revigoramento do Partido, tarefa que mereceu destaque no seu informe ao último Congresso (15º, 2021) e nas suas alocuções em reuniões do Comitê Central. 

 

Em um partido com as exigências atuais e históricas tão complexas, a maturação de uma liderança partidária requer paciência e tempo histórico. A garantia de que os comunistas serão capazes de alcançar novas conquistas é precisamente a unidade em torno dos princípios aos quais a direção deve ter apego e o soerguimento de um sistema consistente de direção coletiva. Ações e decisões açodadas e intempestivas na reorganização da direção, que não levem em conta as necessidades do Partido e sejam motivadas por aspirações individuais, resultarão em grave instabilidade e poderão abrir a porta para a imposição de princípios e métodos revisionistas e à fragmentação. A direção do Partido Comunista é a síntese das suas organizações constitutivas e não a soma de interesses dispersos sob a égide do protagonismo de individualidades.

 

O tempo trabalha para nós 

A realidade demonstra a necessidade de um Partido Comunista revigorado, forte política, ideológica e organicamente, ligado às massas, com clareza de propósitos, capacidade de intervenção política e social, independência de classe, bom manejo tático, política de alianças ampla, combativa e flexível e horizonte estratégico revolucionário. 

 

Os tempos trabalham a favor da luta revolucionária. As contradições do sistema capitalista e da ordem internacional imperialista se agravam cada vez mais, levando milhões de seres humanos ao desespero da fome e da miséria e pondo em risco a existência da humanidade com ameaças de guerras. Por isso, os ajustes a fazer na orientação e na prática do Partido serão eficazes na medida em que se atenham aos princípios revolucionários e os desenvolvam para capacitar os comunistas à realização da sua missão histórica. A inteligência coletiva e a unidade política, ideológica e de ação falam mais alto em momentos exigentes como o atual. Estar à altura desses desafios é a maior homenagem à gesta dos que fizeram o 18 de fevereiro de 1962.

 

*José Reinaldo Carvalho é presidente do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz) e colunista do Brasil 247