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Desculpa não é reparação 

No artigo, cineasta documentarista, poeta e escritor, sócio do IGHB, Carlos Pronzato, fala sobre a necessidade de uma reparação histórica aos povos que Portugal escravizou e saqueou.

As declarações do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, em 23 de abril, durante encontro com jornalistas estrangeiros, sobre a necessidade de reparação histórica aos povos que Portugal escravizou e saqueou, caiu como uma bomba de destruição massiva em certos setores da ultradireita e como uma flor, talvez um cravo vermelho ou um jorro de água fresca em todos aqueles que ainda guardam sentimentos humanos.


As já históricas declarações - nunca Portugal se expediu em tal sentido, só em 2023, durante a visita do presidente Lula - colocam o dedo na chaga da escravidão e genocídio perpetrado pela monarquia portuguesa entre os séculos XV e XIX, no período da sua expansão marítima e implantação do Império Colonial Português.


Calcula-se em quase 6 milhões o número de escravizados transportados nos navios negreiros portugueses - e também de comerciantes brasileiros - a maior parte destinados aos portos do Brasil, principalmente os do Rio de Janeiro e da Bahia e incalculável o lucro obtido, apenas no Brasil, com as plantações de cana de açúcar e a exploração mineira.


Se fosse possível calcular uma indenização de acordo ao lucro auferido para pagar tais prejuízos aos povos e territórios atingidos, Portugal se veria em sério risco de cair em bancarrota, assim como outras nações europeias que cresceram e se afirmaram como potências imperiais graças à idêntica exploração e o sangue de milhões de indivíduos.


O presidente afirmou que não bastam as desculpas e que tal ação, se vier a ser praticada, teria custos. O deputado André Ventura, líder do partido de ultradireita Chega, rotulou tais declarações como uma traição à pátria. Declarações que até a presente data não tiveram resposta e até talvez o silêncio diante de colocações deste tipo seja a melhor resposta. 


Mas para além de qualquer definição neste espinhoso campo de declarações e possíveis - necessárias e urgentes - ações, fica o paradoxo de terem vindo a público na semana dos 50 anos da Revolução dos Cravos, festejados na rua por milhares de pessoas no dia 25 de abril. Revolução que teve seu início na derrota militar portuguesa na guerra colonial na África (com milhares de mortos de ambos lados entre 1961 e 1974) e que mostrou ao mundo a derrocada do fascismo de forma pacífica com cravos na ponta dos fuzis. 


Por outro lado, os países atingidos sempre reclamaram por reparação mas nunca foram ouvidos. Não se sabe de que forma essa reparação será efetivada - algo que outros países europeus já estão colocando em prática - mas agora, depois da festa democrática do 25 de abril exposta ao mundo, não acabará num acostumado e simplório pedido de desculpas, como tantos crimes similares contra a humanidade.


* Carlos Pronzato é cineasta documentarista, poeta e escritor, sócio do IGHB (Instituto Geográfico e Histórico da Bahia)